quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Vilas Volantes :: Alexandre Veras :: 2005

Os espaços são efêmeros, surgem e se dissipam de acordo com a ação dos ventos. As dunas que deslocam-se abrindo terreno para o nascimento de novas vilas engolem aquelas que encontram pela frente. O passado dos moradores, soterrado pela areia, ressurge através de projeções de suas memórias, alimentadas pela imaginação de cada um. As múltiplas verdades transformam-se em História quando acordos são estabelecidos entre as testemunhas do passado. Os dois velhinhos que nos guiam através do espaço virtual da vila onde viveram, Vicente Pedro e Chicó Pedro, constroem juntos os causos daqueles tempos. As peças de um encaixam-se nas do outro e o passado ganha vida. Além dos dois, Vilas Volantes apresenta outros quatro personagens: Dona Bil, Burica, Mané Pedro e Luis Quirino. O documentário começa com Dona Bil. A plasticidade das imagens que mostram esta simpática velhinha catando siris já indica o apuro de Alexandre Veras na composição de cada plano, tanto no que diz respeito aos enquadramentos e à movimentação interna dentro deles, quanto, principalmente, ao cromatismo das imagens: há um evidente trabalho de pintura de suas superfícies. As cores do filme são mais vivas que as cores do mundo. Sua fotografia não tenciona atribuir um valor de verdade às imagens, o que seria, provavelmente, algo inconsistente, já que a “verdade” da obra localiza-se na memória de seus personagens, em seus verbos, e não num possível flagrante imagético do real. Vilas Volantes é um documentário onde podemos identificar elementos do cinema clássico - decupagem que segue uma certa ordem de planificação, alguns raccords, cortes suaves – combinados a elementos da video-arte e do cinema experimental. A concepção sonora do filme – seu maior campo de experimentações –, assim como a fotografia, não tem intenção alguma de cumprir o papel de registro da realidade. Há, sim, um trabalho de construção de uma outra realidade, fílmica, uma postura consciente e explícita do diretor diante da recorrente problemática em torno dos limites entre ficção e documentário. Vilas Volantes não apresenta-se como um recorte da realidade, o que o distancia bastante dos documentários clássicos tradicionais. Há uma construção que se faz presente. É evidente a influência de Kiarostami nesse sentido e de Tarkovski, no que diz respeito à relação imagem-tempo, à sugestão de um olhar mais contemplativo por parte do espectador. Apesar de tratar de espaços efêmeros, Vilas Volantes é um filme que permanece, como o passado projetado pela memória de seus personagens, sempre em mutação, passível de constantes re-significações, vivo.

Guto Parente.

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